A triste realidade das pessoas que se alimentam de lixo
Em silêncio, sozinho, enquanto cascavilha o lixo alheio em busca da dignidade que a vida lhe furtou, ele parece só mais um entre tantos que, todos os dias, passam invisíveis aos nossos olhos – de dia ou de noite, puxando carroça nas vielas dos subúrbios ou nas grandes avenidas. Mas Amaro Pedro da Silva Santos, 41 anos de vida, 30 anos de rua, é diferente. Arremessado pelo destino para um ofício estafante e ingrato, ele sorri. Compelido pelas circunstâncias para o exército dos viciados em crack, ele ironiza. Amaro é o catador de lixo que cita Geraldo Vandré ao falar de sua condição: “Somos todos iguais, braços dados ou não”.
Ele não sai de casa quando vai trabalhar. A rua já é morada. Não forra cama, não escova os dentes, às vezes nem sinal de café da manhã. Levanta e vai sem rumo, a fome fazendo sombra. Não tem esposa nem filhos. “Moro com os ratos nos buracos. A realidade é essa, não vou mentir”, resume, com um sorriso desavergonhado que não dá brecha à piedade.
Amaro é um esquecido pelo mundo. Roda a cidade atrás de lixo e ninguém nota. Quando nota, sente medo. Ninguém o olha como um igual. Ninguém imagina que, por detrás da armadura que o preconceito julga como perigosa, está um homem articulado, inteligente, politizado e apaixonado por música; um homem inofensivo, garante. “Sou usuário de droga, mas não roubo. Trabalho como catador para manter meu vício. Não faço mal a ninguém, só a mim mesmo”, diz. As mãos pretas, as unhas quase invisíveis, a roupa imunda e o rosto suado embasam as palavras.
O trabalho não tem hora e lugar. Começa nos primeiros raios de sol e muitas vezes atravessa a noite. Amaro cata papelão, latinha, plástico, tudo. Atua na região central do Recife. Foi em Santo Amaro que a reportagem o achou. Não raro, porém, se pega distante, na Zona Oeste, perto de Afogados, embalado pela esperança de um dia produtivo.
Muitas vezes, é do lixo que ele tira o alimento. O que o recifense que vive nas casas dispensa é o que sacia a fome do recifense que sobrevive nas ruas: restos de feijão, arroz, carne, bolacha, refrigerante. Na verdade, quase sempre, Amaro fica sem poder comprar comida porque gasta o pouco que junta. “Não tenho dinheiro para comprar o rango porque acabo gastando no crack. Aí tenho que tirar comida do lixo”, confessa o catador, interrompido por uma tosse seca e insistente, sinal de saúde frágil